Por muito tempo, a logística foi vista como um setor exclusivamente técnico: fazer produtos saírem do ponto A e chegarem ao ponto B com o menor custo possível. Mas a realidade está mudando muito rápido: as operações logísticas agora precisam conversar com o planeta e com a sociedade, e isso não é discurso bonito para agradar investidores, mas uma exigência do mercado, dos consumidores e, cada vez mais, das próprias equipes que fazem tudo acontecer. O termo ESG (Environmental, Social and Governance, ou Ambiental, Social e Governança, em português) deixou de ser novidade nas salas de reunião e passou a influenciar decisões operacionais, especialmente na logística. A questão agora não é mais “se” vamos incluir critérios ESG nas operações, mas “como” vamos fazer isso de forma prática e mensurável.
♻️ Ambiental: da fumaça no ar ao carbono no Excel
O “E” do ESG está relacionada ao impacto ambiental, e quando falamos de logística, a conexão é direta: o transporte de cargas é uma das atividades que mais emite CO₂ no mundo. Só o setor de transportes rodoviários foi responsável por 24% das emissões globais de gases de efeito estufa em 2022, segundo dados da Agência Internacional de Energia (IEA). Agora pense no seu dia a dia: sabe quando você pede um delivery e vê a moto parada com o motor ligado por 10 minutos enquanto o entregador espera você ir buscar o lanche? Agora multiplique esse cenário por milhares de entregas em uma cidade grande, incluindo os caminhões, a maior massa de poluição da logística: parece pouco, mas são detalhes assim que somam toneladas de CO₂ ao final do mês. Na prática, empresas têm buscado alternativas como:
- Roteirização inteligente: menos quilômetros rodados significa menos emissão. Softwares de planejamento de rotas já conseguem reduzir em até 30% o consumo de combustível, otimizando o trajeto com base em tráfego, janelas de entrega e capacidade dos veículos.
- Frotas sustentáveis: caminhões elétricos ainda não são acessíveis para todos, mas veículos híbridos, bicicletas de carga e até o uso de trens ou embarcações podem ser alternativas viáveis dependendo da malha logística.
- Monitoramento de emissões: não adianta reduzir o impacto se você não consegue medir. Empresas como a FedEx, Amazon e Maersk têm divulgado metas de carbono neutro até 2040, e para isso, precisam registrar até os menores detalhes das suas emissões logísticas.
🤝 Social: impacto nas pessoas (dentro e fora da empresa)
A letra “S” do ESG fala sobre pessoas. E aqui, a logística também tem uma responsabilidade grande, porque por trás de cada caixa entregue, tem alguém empilhando, separando, dirigindo e conferindo. A operação não é feita por robôs (pelo menos, não em todas as áreas), e uma operação de distribuição que exige jornadas de 14 horas dos motoristas, com prazos apertados e pressão constante, pode até bater a meta de entrega, mas com qual custo humano? E o impacto não se limita aos funcionários: uma empresa que monta várias rotas com o uso de caminhões grandes em um bairro residencial, todos os dias e sem planejamento, afeta o trânsito, a segurança e o bem-estar da comunidade local. Como tudo isso também entra na conta do “S”, as empresas têm adotado algumas soluções:
- Condições dignas de trabalho: treinamento, descanso adequado e acompanhamento de saúde para motoristas e operadores logísticos são temas cada vez mais cobrados por grandes contratantes e auditorias internacionais.
- Logística urbana consciente: iniciativas como entregas noturnas, pontos de retirada e microhubs em regiões centrais diminuem o impacto em bairros e ajudam a reduzir ruído e tráfego.
- Relacionamento com a comunidade: empresas logísticas têm se aproximado das cidades onde atuam, criando projetos sociais, abrindo espaços de escuta e se responsabilizando por eventuais impactos da operação.
🏛️ Governança: quem decide, como decide, e com base em quê?
A parte menos visível do ESG é o “G”, de Governança. Ele trata da forma como a empresa toma decisões, define prioridades e assegura que os compromissos com o meio ambiente e com as pessoas não sejam apenas marketing. A governança também garante que os indicadores ESG não sejam manipulados para “ficar bonito no relatório”, o que exige comitês internos, auditorias independentes e, principalmente, uma cultura que valoriza a transparência. Na logística, a governança aparece em detalhes como:
- Critérios claros para escolha de fornecedores: já há empresas que só contratam transportadoras com políticas ambientais mínimas ou que apresentem indicadores de diversidade entre os colaboradores.
- Códigos de conduta aplicados de fato: não adianta ter um manual bonito se os líderes fecham os olhos para práticas ilegais, jornadas excessivas ou uso indevido de recursos.
- Compliance logístico: envolve a rastreabilidade das mercadorias, o respeito às normas de transporte, tributação e segurança, algo essencial em cadeias globais ou reguladas, como a farmacêutica ou a de alimentos.
📊 Conectar os indicadores ao dia a dia
Um dos maiores desafios é transformar tudo isso em indicadores práticos, que possam ser monitorados e usados para tomar decisões. De nada adianta ter uma política ESG bonita no site se ela não se traduz em números operacionais. Alguns exemplos de indicadores que já estão na rotina de operações mais avançadas:
- Litros de combustível por tonelada transportada
- Quilômetros evitados por rota otimizada
- Emissões de CO₂ por pedido entregue
- Turnover de motoristas e operadores logísticos
- Índice de satisfação da comunidade local
- Percentual de fornecedores com critérios ESG atendidos
- Número de não conformidades logísticas reportadas e resolvidas
Tudo isso pode (e deve) ser monitorado junto com os tradicionais KPIs de logística, como OTIF (On Time In Full), nível de estoque e lead time.
🧠 Pensando com a cabeça da operação
A grande sacada aqui é não pensar em ESG como um apêndice ou uma tarefa extra. Os melhores resultados aparecem quando os indicadores ambientais, sociais e de governança fazem parte do desenho da operação, ou seja, quando a escolha do modal, a roteirização, a seleção de fornecedores e até a gestão de pessoas passam por esse filtro.
Parece distante? Experimente aplicar isso ao seu cotidiano: se você coordena uma equipe de entregas, seus motoristas têm um lugar adequado para descansar? Se trabalha com planejamento de rotas, analise quantos quilômetros poderiam ser evitados com uma lógica mais eficiente (especialmente se você usa o tão idolatrado modelo “por cabeça de CEP“). Se está na área comercial, avalie se os seus parceiros logísticos compartilham dos mesmos valores ambientais, sociais e de governança que sua marca divulga.
ESG não é um selo para colocar na parede, é uma jornada. E como toda jornada logística, ela precisa de planejamento, monitoramento e correções de rota. Não é sobre ser perfeito, mas sobre ser coerente com o que a empresa diz, com o que os clientes esperam e, principalmente, com o que o planeta e a sociedade precisam.