#121: Por que é tão difícil implementar processos na logística?

A logística costuma ser vista como o coração da operação de muitas empresas. É ela que garante que o produto certo chegue ao lugar certo, na hora certa, e isso soa simples até que a gente tenta colocar no papel como isso vai acontecer todo santo dia, sem erro. E é aí que vem o desafio: implementar processos logísticos consistentes é mais difícil do que parece. Mas… por quê?

🚧 O caos como ponto de partida

Antes de mais nada, precisamos encarar uma verdade: muita empresa opera na base do improviso. Quando uma entrega atrasa, um produto é perdido ou uma rota dá errado, a solução é imediata, reativa, no grito. É como quando você perde a chave de casa e precisa entrar pela janela: funciona, mas não dá pra virar rotina.

Acontece que, diferentemente de outras áreas da empresa, a logística sofre impactos de fatores externos e imprevisíveis com mais frequência: trânsito, clima, greves, problemas mecânicos, mudanças de legislação, ausência de motoristas, e por aí vai. Tudo isso força os times a desenvolverem uma “cultura de emergência” constante, o que sabota a implantação de processos.

🧩 Quando o processo compete com a urgência

Um bom processo precisa de tempo para ser testado, ajustado, documentado e aceito pelo time. Só que, na logística, o tempo é escasso e a urgência é permanente. Pegue como exemplo a implementação de um controle de checklist de carregamento. Parece simples, né? Mas para colocá-lo em prática, é preciso:

  • Criar os formulários (se forem manuais, precisam de controle e organização da guarda depois de preenchidos; se forem digitais, toda a infraestrutura para uso do ckecklist precisa ser criada);
  • Realizar testes in loco para ver se o que foi criado faz sentido (e corrigir sempre que necessário);
  • Alinhar com os motoristas e time de expedição sobre o novo procedimento;
  • Garantir que o pessoal preencha corretamente (talvez a parte mais difícil do processo);
  • Monitorar e auditar com frequência.

Agora pense: quantas vezes por semana os motoristas atrasam, os pedidos mudam em cima da hora ou a doca está sobrecarregada? Esse ambiente naturalmente hostil para a padronização torna qualquer tentativa de implementação um campo minado.

Além disso, de acordo com uma pesquisa da Logistics Management, 74% das empresas que tentaram implementar novos processos logísticos nos últimos 5 anos relataram resistência interna ou falha na adoção pelos times operacionais.

Outro dado interessante vem de um relatório da McKinsey: empresas que operam em ambientes de alta variabilidade (como o transporte rodoviário ou centros de distribuição em regiões urbanas) têm 3 vezes mais dificuldade em manter processos estáveis, mesmo após a implantação inicial. Ou seja, não é que os processos são mal desenhados: muitas vezes, é o ambiente que não está pronto para sustentá-los.

🧠 Cultura, protagonismo e… medo

Existe também o lado humano da equação. Muitos profissionais da operação têm anos (às vezes décadas) de experiência, e desenvolveram seu próprio “jeito de fazer”: prático, rápido e, na visão deles, mais eficiente. Quando alguém aparece com um novo processo dizendo “agora será assim”, a reação comum é de defesa (e isso vale para o conferente, o supervisor, o motorista e até o gerente).

Por trás disso, há uma sensação real de perda de autonomia. O novo processo representa mais controle, mais supervisão, mais cobrança. E o medo de errar aumenta, principalmente se não há um ambiente seguro para aprendizado. Agora, sejamos justos: não é impossível implementar processos na logística. Mas os que realmente funcionam são construídos com uma escuta ativa da operação.

Vou dar um exemplo real: uma transportadora estava sofrendo com desvios de rota frequentes com sua frota terceirizada. A primeira tentativa de solução foi colocar GPS nos veículos e criar alertas automáticos. Nada mudou, os desvios continuaram acontecendo. O motivo? Os motoristas estavam parando em postos parceiros para abastecer com desconto, algo que a gestão não havia previsto.

A solução só veio depois de envolver os motoristas na construção do processo. Eles explicaram a lógica por trás das paradas e a empresa adaptou o sistema para reconhecer esses pontos como exceções autorizadas. Resultado: o processo foi respeitado e o registro de desvios de rota (que passou a considerar apenas os desvios que realmente não estavam previstos) caiu 60% em 3 meses.

Ou seja: ou você traz a operação para o centro da construção do processo, ou ele vira uma planilha bonita que ninguém segue.

🧭 O equilíbrio constante entre padronização e adaptabilidade

Você já tentou seguir uma receita de bolo na casa de outra pessoa, com forno diferente, utensílios diferentes e ingredientes levemente distintos? Pois é. O processo pode ser ótimo na teoria, mas precisa ser adaptado ao contexto local. Na logística, isso significa aceitar que nem tudo pode ser padronizado 100%, mas isso não é desculpa para não ter processo; é só um alerta de que o processo bom é aquele que se adapta à situação, mas sem perder o controle.

Implementar processos na logística é difícil, sim. Não por falta de competência, mas porque o ambiente exige resiliência, escuta e adaptação constante. O segredo não está em criar o “processo perfeito”, mas sim em construir um modelo de melhoria contínua que aprende com o erro e evolui com a prática. E, principalmente: é preciso entender que processo não é papel colado na parede. É comportamento, é rotina, é cultura. E cultura, como sabemos, leva tempo pra mudar.

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