O Brasil é o país da fila, do tempo perdido e da espera que não se sabe quando termina, e isso não acontece só em banco ou hospital: acontece também quando um caminhão encosta no centro de distribuição ou na loja para fazer uma entrega. Se tem algo que ainda trava boa parte das operações logísticas é o tal do desencontro entre quem entrega e quem recebe.
Em muitos casos, o caminhão chega e… espera. E espera mais um pouco. Porque a doca está ocupada, o responsável pelo recebimento está em pausa, ou simplesmente porque ninguém sabia que aquela entrega estava prevista para aquele horário. E aí começa o prejuízo: para quem entrega, para quem recebe, para quem depende da mercadoria e, claro, para o consumidor final, que vai sentir esse impacto em algum lugar da cadeia. Mas e se fosse possível fazer tudo isso de forma combinada, ordenada, com hora marcada e gente preparada? Essa é a proposta do agendamento de entregas, um processo que, embora pareça simples, carrega um potencial enorme de transformação nas rotinas logísticas – quando é bem feito, claro.
📉 Um problema antigo
Em 2019, um estudo publicado pela Fundação Dom Cabral revelou que cerca de 22% do tempo de operação de um caminhão em centros urbanos era consumido em esperas não produtivas, como filas para descarregar. E o pior: boa parte disso poderia ser evitada com uma gestão mais precisa de janelas de atendimento.
De lá pra cá, pouca coisa mudou, ao menos nas operações que ainda não adotaram o agendamento estruturado: em grandes centros como São Paulo, Recife ou Belo Horizonte, é comum ver longas filas de caminhões do lado de fora de atacadistas, redes de supermercado ou centros de distribuição, todos ali aguardando uma oportunidade de descarregar. É como se você chamasse um encanador para ir até sua casa “a qualquer hora do dia”, sem saber se estaria lá ou não. Ele chega, toca a campainha, ninguém responde, e vai embora. Tempo perdido para ele, e um problema não resolvido para você. Por que na logística seria diferente?
🛠️ Agendar é só marcar um horário?
O agendamento de entregas nada mais é do que a reserva de uma faixa de horário para que um veículo realize o atendimento em determinado local. Essa reserva pode ser feita por um sistema online, por telefone ou até via WhatsApp, dependendo da maturidade tecnológica do operador logístico ou do cliente. Esse agendamento prévio evita a criação de filas na porta, a espera desnecessária e garante (ou, pelo menos, planeja) que quem precisa ser atendido esteja preparado para te receber, o que significa ter a doca livre, o conferente presente, o sistema ajustado e o espaço de armazenagem disponível quando o caminhão chegar.
Em grandes operações, o uso de portais de agendamento (alguns integrados ao sistema TMS ou ERP da empresa) permite visualizar todos os horários disponíveis, com regras claras de prioridade, restrições e capacidade máxima por janela.
⚙️ E o que muda de verdade?
Você pode pensar: “Beleza, mas isso só organiza o horário. Não parece tão revolucionário assim.” E é verdade, organizar horário parece simples. Só que os impactos vão muito além:
- Redução do tempo de espera: sem agendamento, o tempo médio de espera em algumas operações pode ultrapassar 4 horas. Com agendamento, esse número costuma cair para menos de 45 minutos.
- Melhora na produtividade da equipe: quem recebe a mercadoria pode se programar, evitando sobrecarga em determinados turnos e ociosidade em outros.
- Aumento da previsibilidade na operação: com horários definidos, é possível estimar com mais precisão a hora de chegada dos produtos ao estoque e evitar rupturas.
- Menos custos com hora parada: motoristas não ficam parados à toa, o que reduz os custos da transportadora (e, em efeito cascata, do contratante).
- Mais controle sobre o fluxo de veículos: o local de entrega não fica sobrecarregado com filas externas, o que melhora inclusive a segurança e o impacto na vizinhança.
Alguns setores já entenderam que o agendamento de entregas não é só uma boa prática, mas é regra do jogo. Grandes redes de varejo, como Carrefour, Magazine Luiza e Assaí, trabalham com plataformas próprias de agendamento. Não agendou? Não entrega. Simples assim.
E há motivos para isso: imagine a rotina de um CD que recebe mais de 500 caminhões por dia. Sem um mínimo de organização, o cenário é de caos. Em 2022, a Exame publicou uma reportagem sobre os bastidores da operação do Mercado Livre em Cajamar (SP), revelando que o controle de janelas e horários era um dos pilares para garantir a entrega em até 1 dia útil em várias regiões do país.
📦 E para o pequeno, vale a pena?
A resposta é sim. Ainda que o volume de entregas seja menor, o agendamento pode ajudar a evitar retrabalho e gargalos internos.
Vamos supor que você tem uma pequena distribuidora de alimentos e atende 20 clientes por dia. Se 3 deles resolverem receber entre 10h e 11h, seu motorista vai enfrentar fila, atrasar as demais entregas, e possivelmente receber reclamações. Agora, se cada cliente reserva seu horário com base na sua janela disponível, a rota pode ser adaptada e otimizada para cumprir o cronograma com mais eficiência.
Hoje, existem soluções gratuitas ou de baixo custo para isso, como o uso de planilhas compartilhadas, agendamento via Google Agenda ou ferramentas simples como Calendly e Setmore. O que importa é ter clareza sobre quem vai receber, o quê e quando.
Contudo, é importante reforçar que o sistema só funciona se todos os envolvidos fizerem sua parte, seja em uma grande indústria ou em uma pequena empresa. Se o fornecedor atrasa, perde a janela. Se o recebedor não tem equipe no horário combinado, gera fila do mesmo jeito. Por isso, o agendamento exige também uma mudança de cultura, um alinhamento de expectativas e um certo compromisso com a pontualidade. Ainda assim, vale o esforço. Porque tempo perdido na logística é dinheiro perdido. E ninguém está em posição de desperdiçar.
Com o avanço da digitalização, espera-se que o agendamento evolua ainda mais. Alguns sistemas já estão conectados com sensores de GPS, que atualizam automaticamente a estimativa de chegada do caminhão com base no trânsito; outros utilizam machine learning para prever janelas mais críticas com base no histórico da operação; existem também iniciativas de dock scheduling colaborativo, onde transportadoras e embarcadores compartilham suas janelas em tempo real, prometem ainda mais fluidez e aproveitamento de recursos. Seja uma multinacional com centenas de entregas por dia ou uma pequena distribuidora atendendo o bairro, o agendamento de entregas tem o potencial de melhorar a produtividade, reduzir conflitos e dar mais previsibilidade à operação.