#126: Frota própria, terceirizada ou mista?

No universo da logística, poucas decisões provocam tantos debates internos quanto esta: manter uma frota própria, contratar transporte terceirizado ou usar um pouco de cada? A escolha não se resume a custo. Ela envolve estratégia, flexibilidade, imagem, capacidade de atendimento e até a cultura da empresa.

Pense na escolha do transporte como a gestão de um armazém: ter frota própria é como operar seu próprio centro de distribuição, onde você controla processos, padrões e recursos, mas precisa lidar com investimentos, manutenção e mão de obra; já terceirizar é como usar um operador logístico: você ganha flexibilidade, paga apenas pelo que utiliza e consegue escalar conforme a demanda, mas abre mão de parte do controle e depende da performance do parceiro; por outro lado, ter os dois é como tentar buscar um meio-termo, o que pode ser muito benéfico em algumas operações, mas com grandes desafios adicionais. E aí, qual modelo faz mais sentido para a sua operação?

🚛 Frota própria: controle total e responsabilidades no mesmo pacote

Manter caminhões na garagem da empresa significa ter domínio sobre os veículos, motoristas e rotas. Isso oferece previsibilidade e a possibilidade de personalizar operações ao extremo, desde adesivar a frota com a marca até treinar motoristas para seguir padrões específicos de atendimento.

Na prática, ter uma frota própria oferece vantagens significativas para a operação. Um dos principais pontos é o controle de qualidade, já que a empresa passa a definir os padrões de manutenção, inspeção e atendimento, garantindo que tudo siga exatamente os níveis desejados. Além disso, a frota personalizada contribui para a construção da imagem de marca: veículos com identidade visual reforçam a confiança junto aos clientes e criam presença no mercado. Outro benefício importante é a flexibilidade operacional interna, pois com os ativos sob gestão direta, é possível ajustar rotas ou cargas de forma imediata, sem depender de terceiros ou sofrer atrasos em processos críticos.

Contudo, os desafios também são reais e não podem ser ignorados. O custo fixo elevado é um dos principais fatores, já que combustível, manutenção, depreciação e folha de pagamento exercem grande pressão sobre o caixa. A ociosidade em períodos de baixa demanda é outro risco: mesmo parados, os caminhões continuam gerando despesas. Além disso, há toda a burocracia e exigências de compliance que acompanham a frota própria, incluindo a gestão de documentos, licenças, seguros e treinamentos, o que requer tempo, processos bem estruturados e atenção constante para evitar problemas legais e operacionais.

Segundo levantamento da NTC&Logística, os custos fixos representam, em média, 40% do custo total de uma frota própria. Isso significa que, mesmo sem rodar, quase metade do gasto anual já está comprometido.

🤝 Terceirização: flexibilidade e dependência na mesma balança

Na terceirização do transporte, os custos são essencialmente variáveis, já que a empresa paga pelo serviço apenas quando o utiliza. Isso reduz a necessidade de gestão interna, aliviando preocupações com manutenção, contratação de pessoal e controle de licenças. Além disso, a escalabilidade é um dos pontos fortes: é possível aumentar ou reduzir rapidamente o volume transportado de acordo com a demanda, sem a necessidade de investir em ativos próprios.

Todavia, a dependência de prestadores pode gerar desafios. O controle sobre a qualidade do serviço e o cumprimento de prazos fica nas mãos do fornecedor, o que pode comprometer a experiência do cliente final. Em momentos de alta demanda, existe ainda a concorrência por recursos, já que o prestador pode priorizar clientes maiores ou mais estratégicos. Outro ponto sensível é a instabilidade dos custos variáveis, que podem oscilar devido ao preço do combustível ou à escassez de caminhões disponíveis no mercado.

Para reduzir esses riscos, muitas empresas adotam mecanismos de governança e acompanhamento de desempenho dos prestadores, como metas de SLAs (Service Level Agreements, os famosos “níveis de serviço”) e indicadores de qualidade e pontualidade. O relacionamento próximo com os transportadores também se torna um diferencial, já que parcerias estratégicas permitem maior previsibilidade e até condições comerciais mais favoráveis em cenários de incerteza. Nesse sentido, a terceirização deixa de ser apenas uma relação de contratação pontual e passa a exigir gestão ativa, quase como se fosse uma extensão da própria operação.

Também é importante considerar que a terceirização não significa abdicar completamente do controle logístico. Com o apoio de tecnologias de monitoramento em tempo real, rastreamento de veículos e integração de sistemas, a empresa pode manter visibilidade sobre suas entregas e agir de forma rápida diante de imprevistos. Assim, mesmo sem frota própria, é possível oferecer ao cliente final uma experiência consistente, equilibrando a flexibilidade da terceirização com a confiabilidade que o mercado cada vez mais exige.

⚖️ O caminho do meio: uso misto de frota própria e terceirizada

Quando falamos em transporte, nem sempre a escolha precisa ser “8 ou 80”. Muitas empresas têm encontrado na combinação de frota própria e terceirizada uma forma de equilibrar custos, flexibilidade e confiabilidade. Esse modelo híbrido pode trazer o melhor dos dois mundos, mas também carrega suas armadilhas.

O modelo misto, que combina frota própria e terceirizada, oferece às empresas uma flexibilidade estratégica valiosa. Com ele, a frota própria garante previsibilidade e cobertura mínima, assegurando que rotas críticas e operações essenciais sejam realizadas com maior controle. Ao mesmo tempo, a terceirização entra como suporte para absorver picos de demanda, como em sazonalidades ou campanhas promocionais, evitando que a empresa precise manter ativos ociosos em períodos de baixa. Essa abordagem permite um equilíbrio interessante entre eficiência operacional e capacidade de expansão.

Outro ponto positivo é o maior controle da operação, já que ao manter parte da malha sob gestão direta, a empresa preserva padrões de qualidade e mantém um relacionamento próximo com clientes estratégicos, sem abrir mão da agilidade proporcionada pelos parceiros externos. Adicionalmente, ao não depender exclusivamente de um único modelo de transporte, a empresa se protege de oscilações de mercado, crises de disponibilidade de caminhões ou até falhas internas.

Por outro lado, o modelo misto também traz desafios significativos. A complexidade da gestão aumenta, já que é preciso coordenar duas estruturas diferentes, conciliando contratos, indicadores de desempenho e rotinas operacionais, o que demanda maior dedicação de equipes de planejamento e monitoramento. Soma-se a isso o custo adicional de manter uma frota própria, que implica investimentos fixos em manutenção, depreciação e pessoal, mesmo quando parte do transporte está sendo terceirizada. Existe ainda o risco de sobreposição de uso, onde se não houver um planejamento claro, pode haver redundância entre a frota interna e a contratada, especialmente na roteirização, o que gera ineficiências e desperdícios de recursos.

🤔 E na prática, qual escolher?

Nos anos 1990, era comum que grandes indústrias mantivessem 100% da frota própria, muitas vezes com oficinas internas e motoristas contratados diretamente. Com a globalização e a pressão por redução de custos nos anos 2000, a terceirização ganhou espaço, especialmente com o avanço de operadores logísticos integrados.

Hoje, vemos um cenário híbrido crescendo, onde empresas mesclam frota própria para rotas estratégicas e terceirização para rotas complementares ou sazonais. O e-commerce, por exemplo, acelerou essa combinação, mantendo veículos para entregas locais de alto volume e utilizando parceiros para regiões distantes. Segundo a ABOL (Associação Brasileira de Operadores Logísticos), cerca de 70% das empresas de grande porte no Brasil já adotam algum grau de terceirização em transporte.

Não existe uma resposta única, mas alguns pontos podem guiar a decisão:

  • Volume e previsibilidade: se o fluxo é estável, a frota própria pode ser mais vantajosa; se é instável, terceirizar tende a ser mais eficiente.
  • Rotas estratégicas: para clientes-chave ou produtos de alto valor, manter frota própria garante mais controle.
  • Capital disponível: frota própria exige investimento inicial alto; terceirização dilui custo no tempo.
  • Flexibilidade desejada: operações que mudam constantemente tendem a se beneficiar mais da terceirização.

A decisão entre frota própria e terceirizada não deve ser estática. Muitas empresas revisitam essa escolha a cada 3 ou 5 anos, adaptando-se ao mercado, tecnologia e expectativas dos clientes. O importante é que ela seja feita com base em dados concretos e alinhada à estratégia do negócio, e não apenas por tradição ou preferência pessoal. Nesse processo, analisar fatores e indicadores como nível de serviço, capacidade de expansão e até mesmo impacto ambiental ganham cada vez mais peso, tornando necessária uma análise constante para garantir que o modelo adotado continue sendo o mais eficiente e competitivo.

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