#77: O ambicioso projeto do México para rivalizar com o Canal do Panamá

O Corredor Interoceánico del Istmo de Tehuantepec (CIIT) é um dos projetos mais ambiciosos do governo mexicano, liderado pelo presidente Andrés Manuel López Obrador. O objetivo é transformar o México em um hub logístico internacional, criando uma alternativa estratégica ao Canal do Panamá. Neste artigo, vamos detalhar como esse projeto foi pensado e quais são os principais desafios que precisarão ser superados para tornar esta alternativa economicamente viável.

Localização estratégica

O Istmo de Tehuantepec é a parte mais estreita do México, com cerca de 200 km de largura entre o Golfo do México, em Coatzacoalcos, e o Oceano Pacífico, em Salina Cruz. Coatzacoalcos e Salina Cruz serão os principais pontos de conexão no corredor, e ambos os portos estão sendo ampliados e modernizados para acomodar o aumento esperado de carga.

A expectativa é de que o CIIT gere milhares de empregos diretos e indiretos, impulsionando o crescimento econômico local. A estratégia do governo é usar o CIIT para reduzir as desigualdades regionais, criando oportunidades de emprego e desenvolvimento econômico em áreas que historicamente têm sido marginalizadas para atrair indústrias de diferentes segmentos, aproveitando a proximidade com os mercados norte-americanos.

O Corredor Interoceánico del Istmo de Tehuantepec (CIIT) conectará o Oceano Atlântico ao Oceano Pacífico através de uma infraestrutura terrestre que conta com ferrovias e rodovias de alta capacidade (Imagem: Real Estate Market & Lifestyle)

Como irá funcionar

O processo de transbordo de cargas no CIIT envolve a coordenação meticulosa entre os portos e o transporte terrestre. As mercadorias chegam aos portos de Coatzacoalcos ou Salina Cruz a bordo de navios provenientes de diversas regiões do mundo. Uma vez descarregadas, essas cargas são transportadas por uma linha ferroviária modernizada que conecta os dois portos, oferecendo um transporte rápido e eficiente através do istmo. Ao chegar ao porto de destino, as cargas são descarregadas dos trens e preparadas para o embarque em novos navios, com o auxílio de tecnologia automatizada e guindastes de alta capacidade.

Com portos modernizados e uma linha ferroviária de alta capacidade, o corredor promete reduzir significativamente o tempo de trânsito e os custos de transporte, incluindo opções de transporte rodoviário para que as empresas escolham uma rota mais adequada às suas necessidades. Essa flexibilidade é uma vantagem competitiva significativa em relação ao Canal do Panamá, especialmente para mercadorias que requerem uma logística mais ágil e personalizada. A capacidade do CIIT de acomodar navios de diferentes tamanhos e tipos, sem as restrições impostas pelo canal panamenho, é outro fator que fortalece sua posição como uma rota competitiva no comércio global.

Apesar das promessas, o CIIT enfrenta desafios consideráveis, especialmente em relação à sincronização das operações e à implementação de tecnologia de automação. Um dos maiores desafios é garantir que as operações entre os dois portos e o transporte terrestre sejam perfeitamente coordenadas, evitando atrasos e ineficiências. Para superar esse obstáculo, o CIIT está investindo em sistemas avançados de gerenciamento logístico que permitem a coordenação em tempo real das operações de transbordo, proporcionando visibilidade total do processo logístico e permitindo ajustes rápidos em caso de imprevistos.

Comparação com o Canal do Panamá

Enquanto o Canal do Panamá é uma via aquática que permite a passagem de navios através de um sistema de eclusas (falamos sobre o canal nesse artigo aqui), o Corredor Interoceánico é uma rota terrestre. Isso significa que, embora o transporte terrestre possa ser mais rápido e barato em certos casos, esse sistema depende de uma infraestrutura logística eficiente para competir com a conveniência de um canal aquático, conforme comentamos anteriormente. Esse sistema, inclusive, ainda não foi apresentado na prática, mas promete revolucionar as operações intermodais de grande porte.

O Canal do Panamá, com suas eclusas ampliadas (Neopanamax), permite a passagem de navios com até 14.000 TEUs (Twenty-foot Equivalent Units, uma medida de capacidade que utiliza como referência os contêineres de 20 pés – se quiser saber mais sobre contêineres, dá uma olhada nesse artigo aqui). Contudo, essa capacidade é limitada pelo tamanho físico das eclusas e pela necessidade de manutenção frequente, além das complexas operações de travessia das embarcações.

Em contrapartida, o CIIT não enfrenta essas restrições físicas, pois as mercadorias são transportadas por uma linha ferroviária modernizada. Isso significa que o CIIT pode potencialmente lidar com volumes maiores de carga, dependendo da capacidade dos portos e da eficiência do transporte ferroviário, sem as limitações impostas pelo tamanho dos navios que o Canal do Panamá enfrenta.

Outro importante fator de comparação é o tempo de trânsito: através do Canal do Panamá, dependendo da fila de espera e da complexidade da travessia, uma operação pode levar de 8 a 10 horas, sem contar o tempo de espera, que pode ser significativamente maior durante períodos de pico. No CIIT, embora o transporte terrestre entre os dois portos envolva um processo adicional de descarregamento e carregamento, o tempo de trânsito pode ser competitivo: as estimativas iniciais é de que todo o processo – descarga do navio em um porto, carregamento nos trens ou caminhões, deslocamento entre os portos, descarregamento dos trens ou caminhões e carregamento do navio no outro porto – dure entre 18 a 24 horas.

Estimativas de tempo de deslocamento entre os principais pontos de interesse globais através do novo corredor (Imagem: Real Estate Market & Lifestyle)

Investimento e colaboração internacional

O governo mexicano destinou cerca de US$ 1.6 bilhão para o desenvolvimento do projeto, incluindo investimentos em infraestrutura portuária, ferroviária e rodoviária. O porto de Coatzacoalcos está sendo ampliado e modernizado para lidar com um volume maior de carga, especialmente contêineres e produtos químicos, e esse porto tem conexões marítimas com o sudeste dos EUA, Caribe e outras regiões ao longo do Golfo do México. O porto de Salina Cruz, na outra ponta do corredor, também está passando por expansões significativas. Ele serve como ponto de entrada e saída para o comércio com a Ásia, Oceania e outras partes do Pacífico, e essa modernização visa aumentar a capacidade de manuseio de contêineres e melhorar a eficiência das operações portuárias. O projeto também busca financiamento de bancos de desenvolvimento internacionais, como o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), para garantir a viabilidade financeira a longo prazo.

As rodovias que conectam os dois portos também estão sendo ampliadas e modernizadas para garantir uma rede de transporte multimodal. A ideia é facilitar o transporte rápido e eficiente de contêineres, produtos manufaturados e outras mercadorias. O corredor inclui a construção e modernização de oleodutos e gasodutos para o transporte de petróleo e gás, aproveitando as reservas de hidrocarbonetos no sul do México.

Desafios e controvérsias

O sucesso do Corredor Interoceánico depende de diversos fatores, incluindo a eficiência da construção, a estabilidade política, e a capacidade de atrair tráfego suficiente para justificar os custos. Se bem-sucedido, ele pode transformar o México em um hub logístico central para o comércio global.

No entanto, organizações ambientais têm expressado preocupações sobre o impacto do projeto em ecossistemas sensíveis no Istmo de Tehuantepec, incluindo áreas de biodiversidade única e habitats de espécies ameaçadas. As comunidades indígenas e locais têm manifestado receios sobre a expropriação de terras e a potencial destruição de seus modos de vida tradicionais, e apesar do governo prometer consultas e compensações adequadas, há desconfiança em relação a essas promessas.

O projeto precisa ser economicamente sustentável a longo prazo, atraindo um volume suficiente de tráfego e investimentos. Há dúvidas sobre se o corredor pode realmente competir com o Canal do Panamá, dada a eficiência e a infraestrutura bem estabelecida deste. Estudos de viabilidade econômica indicam que o corredor poderia capturar entre 10% e 15% do tráfego que atualmente passa pelo Canal do Panamá, o que representaria uma economia significativa para empresas que optassem por essa rota. O Japão e a China, países com grandes volumes de comércio, já demonstraram interesse em utilizar o corredor como uma rota alternativa ao Canal do Panamá.

O projeto visa transformar o sul do México, uma região historicamente menos desenvolvida, em um centro econômico próspero (Imagem: Cancuníssimo)

O Corredor Interoceánico del Istmo de Tehuantepec é um projeto ambicioso que pode transformar o México em um ponto de convergência para o comércio interoceânico, oferecendo uma alternativa ao Canal do Panamá. No entanto, para que seja bem-sucedido, o projeto precisará superar desafios significativos, incluindo preocupações ambientais, sociais e econômicas. Se implementado corretamente, pode ser um divisor de águas para o desenvolvimento regional e o comércio global.

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