A logística das urnas eletrônicas é uma verdadeira operação de bastidores, tão precisa quanto grandiosa. Todo o sistema é pensado para garantir que as urnas cheguem aos locais de votação na hora certa, prontas para operar, e que o processo de votação ocorra sem falhas. Neste artigo, vamos mergulhar nos detalhes desse processo, desde o planejamento até a apuração dos votos, para entender como milhões de brasileiros conseguem exercer seu direito ao voto com segurança e eficiência.
Planejamento
Tudo começa muito antes do dia da eleição, com um planejamento que pode levar meses. O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e os Tribunais Regionais Eleitorais (TREs) fazem um mapeamento completo do Brasil eleitoral, analisando a quantidade de eleitores cadastrados, se houve aumento ou diminuição em cada zona, e ajustam a quantidade de urnas que será necessária. Esse processo também envolve uma logística geográfica: é preciso saber quais áreas são de fácil acesso e quais são mais complicadas, onde vai ser necessário reforçar o transporte ou até usar meios alternativos.
Para se ter uma ideia da dimensão desse planejamento, somente no estado de São Paulo, que concentra o maior colégio eleitoral do Brasil, são utilizadas cerca de 115 mil urnas eletrônicas distribuídas por mais de 100 mil seções eleitorais. Essas urnas são enviadas para mais de 400 zonas eleitorais espalhadas pelo estado, cobrindo desde as grandes cidades até áreas mais afastadas. Como algumas urnas podem apresentar problemas técnicos, existe, ainda, a necessidade do planejamento de uma quantidade extra de urnas de contingência. Nas eleições de 2022, por exemplo, aproximadamente 1,5 mil urnas foram substituídas por apresentarem algum tipo de falha técnica, o que equivale a cerca de 1,3% das urnas do estado.
Armazenamento, verificação e testes
As urnas eletrônicas são armazenadas em depósitos do TRE até serem despachadas para os locais de votação. Esse processo acontece geralmente nos dias que antecedem as eleições, em coordenação com empresas de transporte e muitas vezes com o apoio da polícia. As urnas são transportadas geralmente por caminhões, mas podem ser necessários outros meios, como helicópteros ou barcos, para o atendimento em áreas de difícil acesso.
Antes da distribuição, cada urna é testada para garantir que está funcionando perfeitamente, o que inclui ligá-las, verificar se todos os eleitores e candidatos estão cadastrados e garantir que o sistema está operando como esperado. Pense que cada urna é como um celular novo saindo da caixa: você liga, configura, testa a bateria e se certifica de que todos os aplicativos estão funcionando antes de usar de fato; o mesmo acontece com as urnas: se qualquer erro for detectado, a urna com problema é substituída por uma das urnas de contingência.
Embora o percentual de problemas seja baixo, falhas podem ocorrer, como problemas de inicialização ou falha no teclado. No país todo, a média de urnas substituídas por problemas técnicos em uma eleição gira em torno de 0,5% a 2% do total de urnas utilizadas, um número considerado baixo quando comparado a todos os benefícios gerados pela votação eletrônica.

Transporte e custo operacional
O transporte das urnas eleitorais é uma das partes mais complexas e caras da logística das eleições no Brasil. Organizar esse processo envolve muitos recursos e planejamento para garantir que as urnas eletrônicas cheguem a tempo e em perfeitas condições a cada seção eleitoral, independentemente de quão remoto seja o local.
Para garantir que todas as urnas estejam no lugar certo e no momento adequado, o custo operacional da logística eleitoral é significativo: em uma eleição, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) gasta em torno de R$ 700 milhões para realizar o pleito em todo o Brasil. Esses custos incluem o transporte das urnas até os locais de votação, o envio de equipamentos de suporte, como geradores e outros dispositivos de backup em caso de falha, a disponibilização de equipes de instalação e suporte técnico para garantir que as urnas estejam funcionando corretamente, além do efetivo em segurança, com o apoio de forças policiais para escoltar as urnas em regiões mais perigosas.
Nas áreas urbanas, como nas capitais e grandes cidades, o transporte é relativamente mais simples, utilizando caminhões para levar as urnas até os locais de votação. O transporte é coordenado para que todas as urnas cheguem às seções eleitorais um ou dois dias antes da eleição.
Porém, a logística se complica quando falamos de áreas rurais ou regiões mais remotas. Algumas urnas precisam ser transportadas em condições desafiadoras, usando veículos off-road, barcos, e até helicópteros. Em áreas de difícil acesso, como algumas comunidades na região da Amazônia, o transporte é feito com semanas de antecedência para garantir que tudo ocorra conforme o esperado.
Utilização e retorno após a eleição
Algumas horas antes do início da votação, as urnas são instaladas nas seções eleitorais, um processo que é de responsabilidade dos mesários e da equipe técnica que os acompanha. Eles montam as seções eleitorais, ligam as urnas, verificam novamente se elas estão funcionando corretamente e deixam tudo pronto para quando os eleitores começarem a chegar. Essa parte do processo envolve também a colocação das cabines de votação (aquele papelão que garante a privacidade do voto), a organização do espaço e a preparação dos documentos necessários. Quando você chega no colégio eleitoral, a urna já está ali, funcionando, prontinha para receber seu voto!
No final do dia, depois que a votação termina, a operação logística recomeça, pois os votos registrados nessas urnas precisam ser transmitidos aos centros de apuração para que sejam contados. Os dados são enviados eletronicamente para os centros de apuração por meio de uma rede privada e segura. Essa rede é própria da Justiça Eleitoral e não utiliza a internet pública, o que ajuda a evitar riscos de interferência ou ataques cibernéticos. Os resultados de cada urna são transmitidos para os servidores do TRE e, em seguida, para o TSE, onde são apurados e divulgados em tempo real.
Geralmente, essa transmissão é possível em áreas urbanas e com infraestrutura de telecomunicações, mas em áreas rurais ou remotas, o transporte físico das urnas ainda é necessário para que a contagem seja realizada. Nessas situações, as urnas armazenam os votos em pendrives criptografados, que são levados fisicamente até um ponto de transmissão, onde os dados são então carregados para os servidores do TRE.

Bônus 1: como funciona a urna eletrônica?
A urna eletrônica, basicamente, é um computador adaptado para rodar um sistema específico de votação. Ela é composta por uma tela, onde aparecem as opções de candidatos, e um teclado numérico, que o eleitor usa para digitar os números dos candidatos. Quando o voto é confirmado, ele é salvo de forma segura dentro da urna, e não tem como saber quem votou em quem e nem em qual ordem, garantindo o sigilo dos dados.
A urna roda um software exclusivo de votação, que é desenvolvido e auditado pelo TSE. Isso significa que ele não roda outros programas e não tem conexão com a internet, o que ajuda a evitar ataques cibernéticos. Cada urna tem uma memória interna onde os votos são armazenados de maneira criptografada, ou seja, mesmo que alguém tivesse acesso à urna, não conseguiria ler os dados de maneira legível. Além disso, as urnas são lacradas, tanto fisicamente quanto digitalmente. Se alguém tentasse abrir ou mexer na urna, essa tentativa seria detectada e a urna seria desclassificada do processo de contagem dos votos.
Assim que a votação é encerrada, um dos mesários realiza o fechamento da urna, gerando um Boletim de Urna (BU). Esse boletim é basicamente um extrato dos votos que foram computados naquela seção, apresentando a quantidade de votos por candidato naquela urna; essa quantidade é somada seção a seção, até que no final seja apresentado o total de votos daquele candidato em todas as seções, resultando no seu número final de votos.
Bônus 2: a urna é segura?
Um dos principais pontos fortes da urna eletrônica é sua segurança. Existem várias camadas de proteção para garantir que o sistema seja à prova de fraudes:
- Criptografia: todos os dados de votação são criptografados, ou seja, transformados em códigos indecifráveis sem que a pessoa tenha acesso ao modelo de codificação utilizado – o que, obviamente, é bem guardado pelo TSE. Mesmo que alguém conseguisse interceptar os dados, não conseguiria entender ou modificar os votos.
- Independência da internet: a urna não é conectada à internet em momento nenhum, o que impede ataques cibernéticos durante o processo de votação. Além disso, a transmissão dos resultados é feita por uma rede própria, segura e independente.
- Testes públicos: antes de cada eleição, o TSE realiza uma série de testes públicos de segurança. Especialistas em tecnologia da informação são convidados a tentar quebrar a segurança do sistema, e qualquer vulnerabilidade encontrada é corrigida antes do pleito.
- Chaves de segurança: as urnas funcionam com um sistema de chaves de segurança, que é um conjunto de códigos gerados para cada eleição e cada urna específica. Isso significa que as urnas só podem ser usadas naquela eleição e naquelas seções, não sendo possível reutilizá-las sem passar por todo o processo de reprogramação.
- Lacres físicos: as urnas são fisicamente lacradas com adesivos especiais. Esses lacres são numerados e conferidos durante toda a logística da urna. Qualquer tentativa de abrir ou mexer na urna quebra o lacre, o que a invalida para uso.
Outro ponto que sempre causa curiosidade é: “como saber que meu voto foi realmente contabilizado?” A resposta está na auditabilidade do sistema. Cada passo da votação pode ser auditado de forma independente, tanto pelos partidos políticos quanto por órgãos fiscalizadores.
Como mencionado, o BU é impresso ao final do dia e disponibilizado publicamente, sendo um espelho fiel dos votos que foram registrados naquela urna. Qualquer pessoa pode conferir o BU e verificar os resultados. Os partidos políticos, Ministério Público, Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), e outras entidades têm acesso a todas as fases do processo eleitoral, desde a geração do software até a apuração dos votos. Eles podem auditar o sistema, garantir que o código da urna não foi alterado e acompanhar de perto todo o processo.

Graças a toda essa logística bem coordenada, o Brasil é reconhecido por ter um dos sistemas eleitorais mais rápidos e seguros do mundo. Os primeiros resultados começam a ser divulgados alguns minutos após o final da votação e toda a contagem é encerrada em questão de horas, o que é uma grande façanha considerando o tamanho e a complexidade do nosso território. A urna eletrônica garante segurança, rapidez e transparência, desde o momento em que o eleitor digita seu voto até a divulgação dos resultados. O processo é robusto, auditável e protegido contra fraudes, dando confiança aos eleitores e permitindo que milhões de votos sejam contados em poucas horas, sem riscos para a integridade do pleito.