#89: Caminhos para a inclusão e diversidade na logística

Quando falamos de logística, normalmente pensamos em caminhões, armazéns e entregas pontuais. Mas, por trás disso tudo, existem pessoas. E é aqui que entra um tema muito importante: como a questão racial impacta o setor logístico e como podemos trabalhar para uma inclusão mais efetiva? A consciência negra é mais do que um dia no calendário: é um movimento que busca reconhecer a luta, os desafios e as conquistas da população negra em diferentes áreas, e isso inclui, claro, a logística. Porém, onde a diversidade deveria ser uma vantagem, muitas vezes ainda identificamos barreiras que dificultam a ascensão de pessoas negras. Vamos detalhar neste artigo as principais dificuldades encontradas no mercado de trabalho atual e os caminhos possíveis para uma virada de jogo.

Falta de representatividade em cargos de liderança

A logística, como um dos motores fundamentais da economia, reflete as desigualdades sociais que permeiam diversos setores no Brasil. Apesar de ser uma área que emprega milhões de brasileiros, especialmente em funções operacionais, ela ainda enfrenta grandes desafios relacionados à inclusão racial em cargos estratégicos, pois embora a população negra e parda represente mais de 50% dos brasileiros, segundo o IBGE, sua participação em posições de liderança é alarmantemente baixa, evidenciando uma discrepância estrutural.

Conforme o Instituto Ethos, os cargos de liderança nas 500 maiores empresas do Brasil são ocupados majoritariamente por pessoas brancas. Negros representam apenas 5% desses postos de gerência, e, em conselhos administrativos, essa porcentagem é ainda menor, abaixo de 2%. O caso das mulheres negras é ainda mais preocupante: elas ocupam somente 0,4% dos cargos executivos mais altos. Essa baixa representatividade em papéis estratégicos não apenas limita o crescimento profissional de indivíduos negros, mas também perpetua uma visão homogênea e excludente nos processos decisórios das empresas.

Funções operacionais, como motoristas, ajudantes de carga e operadores de empilhadeira, concentram grande parte da força de trabalho negra. No entanto, a transição para cargos administrativos ou de gerência é um caminho complexo, e a falta de representatividade contribui para essa realidade.

O papel da educação e do acesso

Um dos fatores estruturais que mais impactam este processo é o acesso desigual à educação de qualidade, e a falta de programas de capacitação para trabalhadores negros agrava o problema: empresas que não investem em treinamento ou ações afirmativas deixam de reconhecer o potencial de talentos já presentes no ambiente de trabalho e acabam corroborando com o cenário de exclusão.

Dados do IBGE mostram que apenas 18,3% dos jovens negros entre 18 e 24 anos estavam matriculados no ensino superior em 2019, enquanto a taxa entre brancos era de 36%. Essa diferença influencia diretamente o acesso a oportunidades de qualificação e, consequentemente, a ocupação de cargos que exigem formação especializada.

Embora os desafios sejam numerosos, algumas iniciativas têm mostrado resultados promissores. Programas de trainee exclusivos para negros, como o implementado pela Magazine Luiza, embora tenham gerado debates acalorados na internet, abriram importantes discussões sobre diversidade no mercado de trabalho, e medidas semelhantes poderiam ser adotadas em áreas como a logística, aliando capacitação técnica a políticas afirmativas para promover maior inclusão em todos os níveis hierárquicos.

Preconceito e estereótipos

Por ser um setor multifacetado e essencial, a logística precisa lidar com uma ampla gama de demandas e contextos culturais, e essa característica natural deveria fomentar a diversidade como um ponto forte. Porém, a realidade mostra que barreiras estruturais e sociais limitam o avanço de profissionais negros para cargos estratégicos.

Embora as empresas não admitam práticas discriminatórias, preconceitos inconscientes estão presentes nos processos seletivos e nas promoções internas. Esses vieses, muitas vezes baseados em estereótipos culturais e históricos, acabam marginalizando profissionais negros, independentemente de sua qualificação.

Um estudo conduzido pelo Instituto Ethos revelou que, mesmo com as mesmas qualificações, profissionais negros têm chances reduzidas de serem chamados para entrevistas ou promovidos em relação a seus colegas brancos. A ideia de que “determinadas funções não são para eles” persiste, sustentada por estereótipos ultrapassados que associam liderança e competência exclusivamente a perfis não negros. Em áreas como a logística, onde as funções operacionais são predominantes, essa percepção é ainda mais visível.

Mesmo quando os profissionais negros conseguem ultrapassar barreiras educacionais e conquistar as qualificações necessárias, acabam por enfrentar desafios únicos para progredir em suas carreiras. A justificativa frequentemente é atribuída à falta de experiência em gestão, mas ignora-se o fato de que essas mesmas pessoas raramente recebem oportunidades de treinamento ou mentoria para adquirir essas competências. Além disso, a discriminação sutil no ambiente corporativo, como piadas, desconfiança em suas decisões ou questionamentos sobre sua autoridade, cria um ambiente hostil que dificulta o crescimento desses profissionais.

Como mudar esse cenário?

A construção de um setor logístico mais inclusivo exige esforços coordenados entre políticas públicas, iniciativas privadas e a sociedade civil. A adoção de medidas estratégicas pode não apenas corrigir desigualdades históricas, mas também trazer benefícios econômicos e operacionais para as empresas do setor.

Segundo uma pesquisa da McKinsey & Company, organizações com maior inclusão racial em cargos de liderança têm 36% mais chances de superar a média de seus concorrentes em desempenho financeiro. Isso ocorre porque equipes diversas reúnem perspectivas variadas, aumentando a criatividade e a eficiência na resolução de problemas.

Além disso, o apoio dos consumidores a empresas engajadas em inclusão tem crescido, como mostra um estudo feito pela Edelman Trust Barometer, que mostrou que mais de 60% dos consumidores preferem marcas comprometidas com causas sociais, incluindo a diversidade racial. Para alcançar maior representatividade e inclusão, as empresas que atuam no segmento logístico podem adotar algumas estratégias:

  • Parcerias com instituições de ensino para oferecer bolsas de estudo ou programas técnicos para trabalhadores negros, facilitando o acesso ao aprendizado e aumentando as qualificações desses profissionais, o que pode estimular jovens negros a ingressarem no setor logístico.
  • Criar programas de desenvolvimento de talentos para promover o crescimento interno como uma maneira de valorizar talentos já presentes nas organizações, com programas focados em habilidades de liderança, gestão de projetos e planejamento estratégico.
  • Ações contra o racismo estrutural de maneira contínua, pois o combate ao racismo estrutural precisa ir além de campanhas temporárias. As empresas devem implementar políticas contínuas que promovam a diversidade, incluindo treinamentos, canais de ouvidoria interna e processos seletivos cegos para evitar discriminações.
  • Monitoramento e transparência para estabelecer metas claras com o intuito de aumentar a diversidade, reforçando a responsabilidade social corporativa e o engajamento de todos os colaboradores.

A logística é um setor que conecta pessoas e lugares. Quanto mais diverso for o time, maior será a capacidade da empresa de entender e atender diferentes necessidades. Além disso, promover a inclusão é um passo essencial para construir uma sociedade mais justa, pois mais do que um diferencial estratégico, a inclusão racial na logística é uma ferramenta para a construção de uma sociedade mais justa e equitativa. Quando profissionais negros são valorizados e têm oportunidades reais, todos ganham: as empresas, que se tornam mais competitivas, e a sociedade, que se torna mais igualitária.

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