#132: Combustíveis sustentáveis

Falar em combustíveis sustentáveis é falar sobre o futuro da mobilidade. O mundo vive uma corrida por soluções que reduzam a dependência do petróleo e minimizem os impactos ambientais. Segundo a Agência Internacional de Energia (IEA), o transporte responde por cerca de 24% das emissões globais de CO₂. Reduzir esse número é um desafio que passa, inevitavelmente, pela substituição dos combustíveis fósseis.

Mas o assunto vai muito além do meio ambiente. Ele toca em temas econômicos, tecnológicos e logísticos. Afinal, o combustível é o sangue que faz a logística circular, e qualquer mudança nesse insumo afeta diretamente custos, prazos e modelos de operação. Em tempos de transição energética, a pergunta é: como transformar uma cadeia tão dependente do diesel e da gasolina em algo realmente sustentável?

🌾 A história que começou com a cana

O Brasil tem uma relação antiga com os biocombustíveis. Tudo começou nos anos 1970, em meio à crise do petróleo, quando o governo criou o Programa Nacional do Álcool (Proálcool). O objetivo era simples e ambicioso: reduzir a dependência do petróleo importado usando o etanol produzido a partir da cana-de-açúcar. O resultado? Décadas depois, o país se tornou referência mundial em etanol e foi um dos primeiros a lançar veículos flex, capazes de rodar com gasolina, etanol ou a mistura dos dois.

Essa experiência pavimentou o caminho para outros biocombustíveis, como o biodiesel, que começou a ser misturado ao diesel fóssil em 2008. Hoje, a mistura obrigatória já chega a 12% e o governo estuda elevar gradualmente esse percentual. Isso pode parecer pouco, mas cada ponto percentual representa milhões de litros de diesel fóssil deixados de lado e toneladas de emissões evitadas.

✈️ SAF e diesel verde: as novas promessas do setor

Em 2024, a Lei do Combustível do Futuro deu um novo impulso a esse movimento, abrindo espaço para alternativas mais modernas, como o diesel verde (HVO) e o SAF (Sustainable Aviation Fuel), o combustível sustentável de aviação.

O SAF é hoje uma das principais apostas do setor aéreo para reduzir emissões. Ele pode ser produzido a partir de óleos residuais, gordura animal e resíduos agrícolas, e emite até 80% menos CO₂ que o querosene de aviação tradicional. A ANAC estima que, até 2050, o uso de SAF poderá evitar a emissão de mais de 60 milhões de toneladas de CO₂.

Já o diesel verde (HVO) vem sendo chamado de “evolução natural” do biodiesel. Diferente do biodiesel tradicional, ele é quimicamente idêntico ao diesel fóssil, o que significa que pode ser usado em qualquer motor, sem necessidade de adaptação. Essa compatibilidade técnica facilita a adoção pelas transportadoras e reduz o custo de transição.

A Petrobras e outras grandes empresas já começaram a investir em projetos-piloto de produção de HVO. Segundo reportagens da Reuters e da Exame, a expectativa é que o Brasil possa produzir esse tipo de combustível em escala comercial nos próximos anos, aproveitando a abundância de matéria-prima agrícola e de resíduos industriais.

⚙️ O papel da logística nessa transição

Nenhuma transição energética acontece sem logística e, nesse caso, ela é parte do problema e da solução. O transporte rodoviário responde por cerca de 90% da movimentação de cargas no Brasil, e praticamente toda essa frota roda a diesel. Migrar para combustíveis mais limpos não depende apenas de vontade, mas também de estrutura: é preciso garantir disponibilidade, pontos de abastecimento, transporte seguro e estabilidade de preço.

Imagine uma grande transportadora com centenas de caminhões operando em diferentes estados. Para adotar o biodiesel ou o HVO, ela precisaria ajustar rotas de abastecimento, treinar equipes e revisar contratos de fornecimento. Além disso, a variação de qualidade entre lotes de biocombustíveis pode afetar o desempenho dos motores, um risco que poucas empresas estão dispostas a assumir sem uma padronização mais sólida.

Essa complexidade explica por que muitas transportadoras ainda preferem aguardar a maturidade da tecnologia antes de migrar totalmente. Ainda assim, o movimento é inevitável. Grandes redes varejistas e indústrias já estão exigindo que seus parceiros logísticos apresentem metas de descarbonização. Quem sair na frente agora, tende a colher vantagens competitivas nos próximos anos.

🚛 Arla 32: o ingrediente invisível que limpa o ar

Quando o assunto é sustentabilidade no transporte rodoviário, o Arla 32 merece um capítulo à parte. Pouco conhecido fora do meio técnico, ele é um agente redutor líquido automotivo usado em motores a diesel que seguem o padrão Euro 5 (adotado no Brasil desde 2012). Sua função é simples, mas essencial: reduzir as emissões de óxidos de nitrogênio (NOx), gases extremamente nocivos à saúde e ao meio ambiente.

O Arla 32 não é um combustível, mas um aditivo composto por ureia e água deionizada, que é injetado no sistema de escape do veículo. Quando em contato com os gases quentes do motor, ele transforma o NOx em nitrogênio e vapor d’água, substâncias inofensivas para o meio ambiente.

Parece detalhe, mas o impacto é enorme: sem o Arla, caminhões e ônibus modernos emitiriam até 90% mais poluentes atmosféricos. Isso mostra que a sustentabilidade no transporte não está apenas no tipo de combustível, mas também na tecnologia embarcada que ajuda a reduzir o impacto ambiental da frota atual.

No entanto, é importante lembrar: o uso correto do Arla 32 exige infraestrutura de abastecimento e manutenção adequada. Há relatos de transportadores que tentam burlar o sistema (usando água no lugar do Arla, por exemplo), o que, além de ilegal, danifica o motor e aumenta a emissão de poluentes.

💰 Custo e escala: os grandes desafios

Um dos principais obstáculos para a expansão dos combustíveis sustentáveis é o custo. Produzir SAF ou HVO ainda é caro, chegando em alguns casos a variar de duas a cinco vezes mais que o combustível fóssil equivalente. Essa diferença se deve à tecnologia de processamento, ao custo das matérias-primas e à falta de escala produtiva.

Além disso, há o desafio logístico de garantir o fornecimento contínuo. O Brasil tem enorme potencial agrícola, mas também enfrenta problemas de infraestrutura, transporte e armazenamento. Produzir biocombustíveis de forma sustentável significa criar cadeias logísticas rastreáveis, garantindo que a origem da matéria-prima não envolva desmatamento ou competição com a produção de alimentos.

Nesse sentido, políticas públicas bem estruturadas são fundamentais. A Lei do Combustível do Futuro é um passo importante, mas sua efetividade dependerá de incentivos fiscais, linhas de crédito e marcos regulatórios que estimulem a produção nacional sem onerar o consumidor final.

📈 O Brasil no cenário global

De acordo com um estudo da McKinsey & Company, a demanda mundial por combustíveis sustentáveis pode crescer até 37% até 2050, impulsionada por metas de descarbonização do setor de transporte. A Associação Latino-Americana e do Caribe de Transporte Aéreo (ALTA) estima que o Brasil tem potencial para suprir até 60% da demanda de SAF da América Latina nesse mesmo período.

Esse protagonismo não é casual. A abundância de biomassa, o know-how acumulado com o etanol e o avanço tecnológico no setor agroindustrial colocam o país em posição privilegiada. O que falta, segundo especialistas, é um ambiente regulatório estável e investimentos consistentes em inovação. Reportagens recentes da BBC Brasil e da Veja destacam que, enquanto Europa e Estados Unidos investem pesado em infraestrutura para combustíveis sustentáveis, o Brasil ainda caminha em ritmo mais lento, apesar de ter condições naturais mais favoráveis.

🧭 O que vem pela frente

O futuro da energia no transporte será híbrido. Nenhuma tecnologia, sozinha, resolverá o problema das emissões. Enquanto veículos elétricos ganham espaço em centros urbanos, os combustíveis sustentáveis tendem a dominar o transporte pesado e a aviação, segmentos em que a eletrificação completa ainda é inviável.

Para a logística, essa transição exigirá planejamento, investimento e visão de longo prazo. Empresas que se anteciparem, testando alternativas e adaptando suas frotas gradualmente, terão vantagem quando a regulamentação se tornar mais rigorosa. A sustentabilidade deixará de ser diferencial e passará a ser pré-requisito para operar em determinados mercados.

🤔 Reflexão final

O Brasil tem em mãos uma oportunidade rara: unir seu potencial agrícola, sua tradição em biocombustíveis e seu protagonismo logístico para liderar a transição energética global. Mas isso só será possível se houver uma visão coletiva entre governo, empresas e sociedade, de que investir em energia limpa não é custo, e sim estratégia de futuro.

No fim das contas, a questão é simples: vamos continuar dependendo de um combustível que destrói o planeta ou apostar em alternativas que podem garantir prosperidade e competitividade por décadas?

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